Departamento Científico

DEPARTAMENTO CIENTÍFICO

Proporciona o aperfeiçoamento e atualização cientificas do Instituto Wilfred Bion, através da coordenação de atividades internas e ou aberta ao público. Possibilita intercambio entre instituições afins.

ATIVIDADES PERMANENTES:

  • Reunião Cientifica: Acontece toda terceira quinta-feira do mês às 20h e 30 min e tem como objetivo a troca e a discussão teórica entre psicanalistas e profissionais de outras áreas do conhecimento. Também, é um momento dedicado a produção teórica/clínica dos membros da instituição.
  • CINE BION: apresentação e discussão de filmes com a coordenação do colega psicanalista Dr. João L. C. Ribeiro. Acontece aos sábados pela manhã, é um evento aberto a comunidade.
  • Começando na Clínica como eu faço: Atividade onde colegas com uma vasta experiência clínica relatam o que vivem e aprendem nos seus consultórios. Objetiva uma ilustração do fazer clínico, as dúvidas e as dificuldades encontradas na clínica da psicoterapia psicanalítica. É uma atividade semestral para alunos do último semestre do curso de psicologia ou recém-formados.
  • Grupos de Estudos: atividade organizada e coordenada pelos membros associados do Instituto W.Bion, com ofertas de temas específicos conforme a demanda.
  • Oficina e Práxis: atividade que tem como finalidade, oferecer momentos de reflexão de conceitos e da prática clínica.
  • Jornada cientifica: Atividade que acontece a cada dois anos, tem como objetivo a discussão e aprofundamento de temas específicos.

ARTIGOS

A Ilusão de Poder – Implicações para a Clínica

“Clínica” é o exercício/ação que realizamos no tempo presente. Ela é exercida por qualquer pessoa: um médico, pedreiro, professor, pai e mãe, psicoterapeuta, bombeiro, cientista, etc. O conhecimento ou as teorias que estudamos ou utilizamos servem como referência/norte para a ação, mas não podem ser exclusivos para uma ação clínica. Justamente por que clinicar é uma ação baseado também na atenção/percepção da variabilidade do fenômeno, tanto do indivíduo ou grupo, bem como das tecnologias/objetos que utilizamos. Por exemplo: eu tenho um problema X. Diz o médico: “a literatura mostra que você tem 35% de chance de ter uma obstrução coronariana a partir desses sintomas”. Eu paciente pergunto: “doutor eu faço parte dos 35 ou dos 65%?” Ele vai dizer, “eu não sei”, se ele for honesto obviamente. Ou seja, no exercício clínico do médico eu sou 100% para ambos os lados e o médico precisa saber e aceitar isso, assim como eu. Somente depois é que saberemos em qual grupo eu faço parte.

O exercício clínico é a arte de trabalhar com a variabilidade do fenômeno, a qual a teoria não contempla (recomendo a leitura do livro O Andar do Bêbado). Já o cientista trabalha com os fenômenos universais e idênticos. A ele interessa a regularidade do fenômeno. Já o clínico se ocupa também do caso, único, exclusivo e sua absoluta particularidade. Nesse sentido, a natureza do clínico é desconfiar do excesso de teoria, justamente por que ele sabe que o fenômeno possui particularidades. Um bom clínico precisa ser conhecedor, mas também um observador. Ele necessita ter coragem de decidir diante da incerteza de presente. O clínico não pode se angustiar demasiadamente no jogo entre o universal e o particular.  

Até chegarmos aos dias de hoje milhares de anos trouxeram muito desenvolvimento teórico e teorias, muita tecnologia e inovação ao nosso alcance e dispor. Todo esse arcabouço acumulado reforça um jeito de viver onde a observação se torna supérflua ou desnecessária e aquilo que chamamos de fenômeno, a variabilidade da vida, passa a ser secundária e quase uma ofensa à teoria, qualquer que seja. Assim a Ilusão de poder é um Saber Antes cujo resultado ou efeito prático, dramático e altamente devastador é tornar a ideia ou o pensamento superior a vida. Com isso, a vida real (estado mental onde não sabemos antes), a vida a ser investigada, passa a ser secundária e rejeitada sem percebermos. Deixa de ter importância pois ela ficou “colada” no pensamento. Ou melhor, a parte da vida mental que se relaciona curiosamente com o viver deve, necessariamente, sujeitar-se ou ficar escondida em detrimento da ilusão de poder.

Julio Walz, Psicanalista.

Pelo olhar do psi, por Arnaldo Chuster: “A gentileza pode superar o deboche”

Muitos amigos e analisandos comentaram que a morte de João Gilberto trouxe recordações de uma época em que havia gentileza entre as pessoas. A música que ele criou trazia em si a riqueza das palavras gentis, tão inspiradora para seus parceiros e contemporâneos, e que a atualidade parece ter esquecido.  Quem nele se serviu de exemplo pode compor com amor músicas e letras com a verdadeira poesia, aquela que não coincide consigo mesma — uma impropriedade desafinada substancial —, mas que perpetra exatamente a poesia.

Refletindo sobre tais fatos, dei-me conta de que a gentileza — uma das características fundamentais do ato materno para levar o bebê ao seio — permite conviver com as diferenças de qualquer tipo. Torna-se possível conversar sobre pontos de vista totalmente contrários em qualquer lugar. Hoje em dia, as diferenças ideológicas — e outras quaisquer — acabam com as melhores festas de família, exterminam as rodas de amizade, afundam os diálogos criativos que sempre surgiram do confronto das diferenças.

A gentileza torna possível chegar a um meio-termo, ainda que temporário, mas muito sincero. Permite sorrir e brincar quando alguém nos apresenta pontos de vista contrários ao que acreditamos. Todavia, o mau humor religioso-ideológico tomou conta do que antes era motivo de uma jocosidade amistosa. Muitos agora trazem dentro de si a ditadura do discurso do ódio, implantado por ideologias para criar antagonismos de toda espécie.

O ódio acabou com a gentileza e estabeleceu o reinado da estupidez, da grosseria, da arrogância e da curiosidade invasiva. Passou-se da gentileza que busca poesia para a ofensa gratuita e grotesca em busca da opressão. Aplica-se o termo “lavagem cerebral” para quem não concorda com a “lavagem de dinheiro”. Procura-se justificar erros graves com outros que são minimamente duvidosos.

Assim, nesse universo perverso, a gentileza transforma-se também em hipocrisia e faz comunista ateu ir à missa para receber a hóstia; evangélico direitista pregar a legalização da violência como solução. O indivíduo faz, como se diz popularmente, o “diabo” em nome de chegar ao poder e ter razão moral. A ética que se dane. O que vale é o se dar bem a qualquer preço. Tudo é feito friamente, calculadamente.

Eu penso que o problema principal do ódio é o desrespeito pela diferença última que é transcendental para fundar a identidade humana. O ódio sempre transformou o ser humano em mercadoria, em algo manipulável, e a ética é substituída pela afirmação de uma plasticidade irreal da existência humana que usa as mídias sociais para se difundir. Como psicanalista, cabe-me observar e pensar no discurso que as pessoas me trazem com esses conteúdos e buscar, com ele, ressaltar a individualidade de cada um em sua história particular.

Em qualquer circunstância, penso que devo insistir, mais do que nunca, na gentileza trazida pelas palavras que buscam significado vivo e entendimento, e não na simples satisfação das descargas de ódio ideológico-religioso. A gentileza resgata a ética entre as pessoas; nunca a gritaria e o palavrório histriônico.

No seu movimento, a gentileza pode ajudar a encontrar os fundamentais caminhos amorosos no encontro de duas pessoas diferentes e que irá transcender o idiotismo hacker do voyeurismo e do exibicionismo e, sobretudo, superar o deboche arrogante da perversão corrupta. É impossível ser feliz sozinho.

No final, será sempre a linguagem poética surgida de elementos não coincidentes, diferentes e autônomos, que pode nos fazer entender a infinidade de coisas que a cegueira política se recusa a entender. Sou desafinado com a politicagem e assim permaneço. Vivo sonhando mil horas sem fim.

– Texto na íntegra no Blog Lu Lacerda

Pelo olhar do psi, por Arnaldo Chuster: por que filhos de presidentes estão sob suspeita de enriquecimento ilícito?

A conversa girava em torno da perplexidade de uma questão: por que filhos de presidentes estão sob suspeita de enriquecimento ilícito, usando a sombra de seus pais? Os exemplos vêm de longa data; cito três recentes: filho do Lula, filha do Temer, filho do Bolsonaro. Até que a indagação do grupo se volta — de forma ansiosa — para o psicanalista, em busca de alguma resposta. Volta-se justamente para quem não tem nenhuma resposta, mas apenas a experiência de pensar sobre elas.

O trabalho do psicanalista tenta compreender os sustentáculos mais profundos e as diversas intensidades com que os problemas psíquicos se apresentam. No entanto, a singularidade de cada indivíduo impede que tenhamos certeza das teorias desenvolvidas, levando-nos à busca de uma constante renovação.

A psicanálise é uma arte que se desenvolve sempre compartilhando a verdade naquilo que ela se revela como possível aos indivíduos e, ao fazê-lo, promove o desenvolvimento psíquico, enfatizando o direito à existência digna na construção da subjetividade.

Por existência digna, quero significar o respeito à singularidade das pessoas. Elas certamente não são e nunca serão iguais, e qualquer ideologia que prega unanimidade é simplesmente desastrosa, pois é expressão da destrutividade do desenvolvimento mental pela violência do narcisismo.

No entanto, como detectar o narcisismo destrutivo quando esse age no campo da política? Como diferenciá-lo, por exemplo, do espectro da vaidade ou da exacerbada ambição de objetivos? Posso afirmar que tantas e tantas vezes na História foi muito tarde quando conseguimos perceber a destruição em curso.

Um dos fenômenos que, através de minha experiência, consigo destacar é a arrogância dos personagens, sobretudo, quando ela vem associada a estupidez e curiosidade mórbida. Uma personalidade que se deixa arrastar por essas três características está vulnerável a ficar, cada vez mais, com seu caráter comprometido com a falência ética.

Uma das maiores dificuldades é que a arrogância faz negar qualquer problema em si próprio. O arrogante é onisciente e perfeito, e seus seguidores — que podem até cometer crimes usando a sombra de seu exemplo — também assim se consideram.

Diante desse quadro, as alternativas se reduzem. A encruzilhada situa-se entre ser ingênuo e aceitar os desmandos arrogantes, ou ir contra – não por simples ideologia —, mas por se tratar de uma violação degradante da ética humana.

A lista de coisas inaceitáveis em nosso país, e pelo andar atual da História, na maioria do mundo em que vivemos, seja ele primeiro ou quinto mundo, parece nos colocar contra a parede de forma constrangedora.

Foi no mínimo nauseante e bizarro escutar no rádio, enquanto me dirigia ao consultório, um comentarista com o tom de voz falsamente indignado, daqueles que têm absoluta certeza do que dizem, afirmar que dois ex-presidentes, Lula e Temer, foram condenados sem prova. Para todo mundo que escutou essa fala, ali se dizia que a Justiça brasileira é fascista e, portanto, inconsequente. O comentarista onisciente, porém, não deve se dar conta disso. E não se dará conta enquanto a ingenuidade de quem o escuta não reage para alertá-lo da destruição arrogante que está causando.

Um simples exemplo, mas fica aberto o debate.

– Texto na íntegra no Blog Lu Lacerda

A FAMILIA EM DESORDEM/2017

Resumo e comentários sobre a leitura da obra A Família em Desordem realizada no grupo de estudos coordenado por Mary Georgina Boeira da Silva, todas as sextas-feiras, as 14hs, na sede do Instituto Wilfred Bion em 2017.

Integraram o grupo: Vera Canabarro, Maria Luiza Calcanhoto, Maria Christina Fracasso e Christiane De Lema.

1.

A autora estuda o tema família, para compreender uma situação inédita da atualidade: por que os homossexuais manifestam o desejo de se normalizar.

Desde o séc. XVIII manifestam o desejo de casar, adotar e procriar medicamente assistidos, no mundo ocidental.

2.

A outra questão refere-se as novas configurações familiares: a família monoparental, a homo parental, a recomposta e a clonada.

A família hoje tem uma configuração própria, mas sua existência tem 300.000 anos, tempo que as pesquisas dão a existência do homo sapiens.

Com o Cristianismo, e vamos datar então 2000 anos, inauguramos a família nuclear, nosso objeto de estudo.

A Bíblia e a história de Jesus são o exemplo primeiro: José, Maria e o menino Jesus.

Pai, mãe e filho.

O modelo já coloca a família nuclear como centro do evento do nascimento, como um núcleo independente e privado, já em luta com o estado, ou o governo e num modelo harmonioso de casamento e relação. Considerando que um novo ser, precisa de cuidado, proteção e amor!

O cristianismo, na verdade, adotou o que era uma pratica que conjugava um fato de natureza e de cultura.

Quando Roudinesco estuda a desordem, preocupa-se não com as formas momentâneas da configuração da família, vai se concentrar no conceito e sua estrutura.

Conceito:

Família é a união mais ou menos duradoura entre um homem e uma mulher e seus filhos. É universal, em todas as sociedades. Não há na história do gênero humano nenhuma sociedade em que a família nuclear não seja o modelo. É uma questão de lógica que começa na biologia posta e na prática adotada na cultura. Esta definição é adotada por todos pesquisadores desde Heródoto e foram estudadas mais de 5000 sociedades no mundo.

Família Nuclear

PAI X MÃE X FILHO

A família nuclear ordena-se por duas referências, a biológica, que é a diferença sexual posta na natureza e a referência cultural que organiza a família a partir das alianças e trocas simbólicas. Como consequência instituímos a proibição do incesto, o interdito do distúrbio de gerações, as diversas formas de casamento, e as funções de pai e mãe necessárias para o efetivo desempenho de criar os filhos e proteger os membros da família.

Há duas dimensões que definem a família e decorrem do núcleo formador: a dimensão vertical, a geração dos pais e a posterior dos filhos.

E a dimensão horizontal, chamada de parentesco, ou seja, os irmãos dos pais, os primos, tios, cunhados.

Por muitos milênios a sociedade configurou arranjos diversos no grupo familiar, onde a proibição do incesto não ordenava o triangulo e as alianças admitiam casamentos entre irmãos, pais e filhos e a autoridade era exercida por diferentes motivos. Prevalecia a pratica do momento, a família do homem poderia ter o pátrio poder, ou o contrário. A mãe não tinha responsabilidade legal sobre o filho, o pai assumia a paternidade eleita, não a biológica, por exemplo. Filho era o que ele adotasse como seu, não necessariamente o nascido de seu esperma.

São 2000 anos de modelo nuclear, como referência fundadora, mesmo que diferentes modelos de família tenham exercido sua função de procriar e cuidar das crianças e proteger seus familiares.

A proibição do incesto se deu, por ser necessária a criação da família.

Para diferenciar papéis ou funções no grupo de parentes, sendo tão indispensável como a união do macho e da femea para procriar.

Se a mãe se iguala as outras femeas fazendo sexo com seu filho perde sua condição de ser mãe na dimensão simbólica do rito.

A proibição do incesto se instituiu porque o incesto existe.
Biologicamente não há impedimento prático ao ato. O incesto ao ser proibido contribuiu para a organização simbólica do grupo.

Ordenar o instinto animal, ou biológico e criar o interdito simbólico agregou ao grupo familiar a definição de papéis, ou seja, identidade, com efeitos positivos nas sociedades antigas. Sua viabilidade no fim de si mesmo foi significativa. Daí se conclui que foram os grupos que assim se organizaram que sobreviveram.

Já que eles uniram um fato de cultura e um fato da natureza e isto os fortaleceu e diferenciou.

Baseada durante séculos na soberania divina do pai, a família ocidental foi desafiada, no séc. XVIII, pela irrupção do feminino e surgimento da burguesia. Foi daí que a maternidade ocupou o lugar central na triangulação.

A partir do declínio da soberania do pai, cuja a testemunha e teórico principal foi Freud, ao revisar Édipo e Hamlet, esboçou-se a emancipação feminina, a valorização da infância e a normatização da homossexualidade. Se o pai não é mais o pai, se as mulheres dominam inteiramente a procriação e se os homossexuais têm o poder de assumir um lugar no processo de filiação, se a liberdade sexual é ao mesmo tempo ilimitada e codificada, transgressiva e normalizada, pode-se dizer por isso que a existência da família está ameaçada?

Estaremos assistindo ao nascimento de uma onipotência do materno que aniquila o antigo poder masculino e paterno, em benefício de uma sociedade comunitárista ameaçada por dois grandes espectros: o culto de si mesmo e a clonagem?

Eis as questões em debate na obra em estudo.

Os capítulos subsequentes vão debater a irrupção do feminino e a mutilação do pai.

São os dois componentes formadores da família, o masculino e o feminino. O pai e a mãe.

Roudinesco analisa a história humana da família e demonstra que as novas configurações não são a essência e os motivos da desordem na família.

A desordem está associada a função materna e a função paterna. As desconstruções ocorridas ainda não estabeleceram um novo padrão de funcionamento da família, estamos num período intermediário, instável e desorientado que influencia a formação dos vínculos entre pais e filhos.

Cada família precisa inventar sua própria lógica e se vê insegura em como educar os filhos e como se relacionar com o parceiro sexual. Nesse modelo parece que tudo é possível.

Desde o século passado pai e mãe dividem o papel de cuidar e perpetuar a família. O pai burguês vai buscar sua função no meio privado e econômico. Já que não tem mais analogia divina. A subordinação feminina ao marido tem interesses definidos na prevalência do poder materno.

A família nuclear é a célula fundadora definidora de papéis, de identidade filial e da sexualidade.

O declínio da função paterna proporcionou a ascensão do poder materno, por outro lado a valorização da infância atingiu o centro gravitacional da família. E daí a consequente horizontalidade dos vínculos.

Elisabeth Roudinesco

 

Pelo olhar do psi, por Arnaldo Chuster: “Um hacker é um voyeur sadomasoquista a serviço de um refinado malfeitor exibicionista e fanfarão”

Ao tentar entender o recente hackeamento e, na sequência, o vazamento das conversas entre o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, parto do sentimento de estranheza e forte perplexidade. Creio que muitos acham a mesma coisa. Como psicanalista, não posso ser um detetive criminal, mesmo assim, perguntei-me: “Quem fez isso e por quê? Quem ganha com isso?

Despejou-se um monte de discursos com tecnicalidades jurídicas. Me ocorreu que, em muitas investigações criminais, existe o ditado em francês “Cherchez la femme” (procure a mulher) — famosa frase de Alexandre Dumas, aplicada a histórias de detetives. Em nosso caso, sugiro que “la femme” seja procurada no perverso e no dinheiro. Ele vai estar lá no fim da fila, com seu cabelo engomado de brilhantina, bem à moda dos mafiosos do século passado. Ele vai estar lá como um pavão, se achando o dono do pedaço, como um donatário das capitanias hereditárias (essa praga que se mantém no Brasil), ditando e legislando regras e leis próprias. Ele vai estar lá, com seus conceitos de vingança, e não de justiça. Vai estar ganhando muito dinheiro.

O fato: conversas privadas entre representantes idealizados da Justiça Brasileira — que sabidamente combatem a corrupção que destrói nosso País — são violadas como se fossem um segredo, e quem está de posse dessas conversas parece que pretende transformá-las num segredo de conluio. Os que foram violados dizem que se trata de conversas próprias ao meio. E são. Seria hipocrisia máxima dizer que elas não existem. Acho que somente a OAB acha que não existem, e acreditam também em Papai Noel.

Um hacker é um indivíduo perverso a serviço de outros perversos. Trata-se de um voyeur sadomasoquista a serviço de um refinado malfeitor exibicionista e fanfarão. Como em toda perversão, tenta-se inverter a lógica para fins escusos particulares. Como se trata de uma lógica totalmente baseada em premissas falsas, é isso que nos traz a sensação de perplexidade e confusão. Pretender, por exemplo, usar atos ilegais e perversos de voyeurismo — inverter a lógica — para anular julgamentos de pessoas (condenadas por sua culpa nas três instâncias da Justiça), como querem os advogados muito bem pagos, é hipocritamente seguir a lógica do ladrão ou do assassino que, pego em flagrante pelas câmeras, reclama que sua prisão é ilegal, pois não deu autorização para divulgação da imagem.

Uma coisa são conversas em nome da luta contra a corrupção; outra coisa são as conversas para ocultá-la e manter a destruição. Não se trata de que os fins justificam os meios, e que muitos querem condenar e ditar a ética. Trata-se de que as coisas vão mais além, e aí existe, no meu entender, uma questão mais complexa por detrás de todo esse óbvio psicológico. Nosso País vem sendo desgraçadamente assolado por líderes que pretendem possuir uma ideia messiânica de salvação. São líderes messiânicos. Foi assim com o implacável Getúlio Vargas, ocorreu com o risonho Juscelino Kubitschek, com o vaidoso FHC, devastadoramente acontece com o sindicalista Lula, em muitos momentos está no discurso do eterno candidato à Presidência Bolsonaro, e me indago se não foi com esse tipo de ideia que a mídia investiu em Sérgio Moro. E ele acreditou.

A “cruzada” contra a corrupção dificilmente poderia escapar de eleger um líder messiânico. E, na medida em que esse líder parece falhar, de algum modo, a história mostra que existem dois caminhos a partir da falha: uma parte quer crucificá-lo e outra parte quer divinizá-lo. A história de Jesus está aí para demonstrar esses fatos profundamente arraigados na cultura ocidental.

Tem jornalistas e esquerdistas babando de ódio, querendo crucificar Moro, e uma outra parte continua querendo divinizá-lo. Assim como encontro todo dia pessoas babando de ódio contra Lula e pessoas querendo santificá-lo como vítima de uma barbárie política. Sergio Moro não é Jesus tampouco santo; aliás, muito longe de qualquer santidade. Mas é, comprovadamente, uma pessoa de bem numa posição muito delicada. Certamente, não vai fugir de suas responsabilidades em esclarecer os fatos.

-Texto na íntegra no Blog Lu Lacerda.